quarta-feira, 14 de maio de 2008

O Baloiço da Casa da Minha Avó

Quando era pequeno adorava ir a casa da minha avó. Ainda hoje gostava de lá poder ir, mas a minha avó morreu e a família decidiu vender a casa. Quisera eu ter dinheiro para comprar aquele ninho, aquele ver lar onde sempre fui feliz, mas não se pode ter tudo na vida… Diz-se que uma avó é uma segunda mãe. No meu caso é bem verdade, a “vó Geca” sempre foi mais que minha mãe e mais, é ainda hoje um exemplo para mim e o mais próximo que conheci, conheço de uma heroína! Teve uma vida bastante difícil, mas sempre lutou contra tudo e todos e nunca se tornou numa mulher amargurada.

De nova, toda a gente diz que era muito bonita, quase como um ser de outro planeta e não havia ninguém que não se deixasse encantar pela sua beleza e simpatia. Conta-se que quando ia ao cabeleireiro, todas as senhoras pediam para pintar o cabelo da cor do dela, ao que era impossível, aquela cor era natural. Não me custa acreditar nesta história, pois já depois de envelhecida o seu cabelo continuava lindo. De um branco como eu nunca tinha visto e acho que nunca mais hei-de voltar a ver. Pensem naquela imagem que todos temos de uma avó: uma senhora com os cabelos todos brancos, apanhados numa “banana”, com uma cara muito doce e que façamos nós o que fizermos nos trata bem e nos passa a mão pela cabeça… Essa é a minha avó, assim perfeita! Embora também me ralhasse quando necessário. Ainda me lembro de um dia em que aprendia a tabuada com ela, porque além de tudo ela era para lá de inteligente. Eu não conseguia atinar com a tabuada do sete, então ela mandou-me para o meu quarto estudar um pouco. Eu fui, mas não queria estudar e meio de propósito deixei-me dormir. Ela encontrou-me nesse preparo e ralhou-me tanto como não me lembro que me tenha ralhado outra vez. Estava preocupada que eu não aprendesse a tabuada e a verdade é que graças a ela ainda hoje a sei.

A casa dela era um mundo de alegria, tanto eu como a minha irmã e os meus primos, somos seis no total, adorávamos lá estar e passar lá o máximo de tempo possível. Não era uma mansão, mas também não era nada pequena. Toda de pedra, uma casa antiga e uma das primeiras a ter casa de banho na vila dos meus pais. E tinha um quintal encantador com um poço sedutor que nos entretinha horas e horas, simplesmente a olhá-lo ou a tirar e despejar água… Mas o que mais nos seduzia era mesmo aquela espécie de sótão que havia no piso de cima e que tinha ao centro, pendurado desde o tecto, um baloiço. Sim, um baloiço dentro de casa, há maior encanto para seis crianças? Aquela divisão era mágica, muito ampla e alta, com três janelas e além do baloiço continha uns poucos de brinquedos dos nossos pais, cinco baús cheios de recordações e um ou outro móvel já não usado. Claro que quando éramos crianças só ligávamos ao baloiço, era uma loucura, e ocasionalmente a algum brinquedo que achávamos piada. Podermos andar de baloiço dentro de casa deixava-nos maravilhados. Passávamos horas ali, empurrando-nos uns aos outros e às vezes chegávamos a discutir porque alguém estava no baloiço há tempo demais e teimava em não sair. Coisas de criança! Os anos foram passando, mas aquela continuou a ser a nossa divisão preferida e de eleição. Foi ali que pudemos falar dos nossos primeiros namorados e namoradas sem os cotas ouvirem, pois era tudo muito privado, sério e secreto… Mais tarde começámos a descobrir os baús e a desvendar um pouco mais da vida dos nossos pais. É incrível o que podemos descobrir sobre alguém, apenas vasculhando nas suas memórias, nos seus pertences, no seu passado. Passados uns anos, o sótão servia de esconderijo para os nossos primeiros cigarros, para discussões filosóficas, políticas, sociais e ambientais e para um ocasional charro,em momentos de maior rebeldia. Depois transformou-se apenas naquela lugar especial onde nos sentíamos à vontade para fazermos as nossas confissões uns aos outros. Onde, já mais parecidos com os nossos pais, nos queixávamos da vida e de todos os seus males. E sempre, sempre durante todos esses anos, essas rebeldias e confissões alguém ocupava o baloiço, como se fosse aquele vai e vem que nos ligasse, que nos unisse nessa cumplicidade tão nossa. A verdade é que desde que perdemos o nosso baloiço, a nossa relação tornou-se um pouco mais distante. Será que o baloiço tinha magia? Ou seria a nossa avó que a tinha?... Tenho saudades desse baloiço… O que ninguém sabe é que eu trouxe o baloiço da casa da avó, qualquer dia penduro-o na minha sala e convido os meus primos e a minha irmã para virem cá a casa. Aí tudo vai voltar a ser como antes…

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