quinta-feira, 2 de setembro de 2010

trick or treat

Estiquei a mão para te tocar... esqueci-me que já não dormias na minha cama. Por momentos o tempo voltou atrás e eu acordava depois de uma noite de amor. Procurava-te na cama para te abraçar, para ficarmos juntinhos como tanto gostávamos, os nossos corpos nus a tocarem um no outro, misturando-se no meio dos lençóis. Tudo isso ficou no passado. Agora durmo sózinho, pois tu morreste. Morreste quando eu descobri que aquela cama não respirava apenas pelo meu suor, que deitavas nela outras pessoas com bastante regularidade. Como eras capaz de dizer que me amavas, se meia hora antes tinhas estado a foder com outro qualquer, que muitas vezes nem conhecias. Morreste mais um bocadinho quando eu descobri que me roubavas dinheiro. Meses preocupado com as diferenças no Bar e tu nada, não abrias a boca. Apanhei-te uma noite e tu disseste que era para poderes ajudar a tua mãe. Comecei a dar-te dinheiro regularmente, pois amava-te e a tua família era a minha família. Semanas depois vejo-te entregar o dinheiro à tua mãe, no dobrar de uma esquina, ela com barba e a alimentar-te a heroína. Como é que não tinha percebido? Como podia andar tão cego, tão distraído? Morreste mais um bocadinho, mas ainda não era suficiente. Os meses iam passando e eu ia vivendo desconfiado, com medo, perdido entre discusões e noites de amor, amando-te e odiando-te, querendo-te e desprezando-te. Há três semanas fui fazer as minhas análises de rotina anuais, fui buscá-las e nesse dia tomei uma decisão. Do Hospital fui para casa. Aspirei e lavei a casa toda, limpei o pó. Fechei-me na cozinha e preparei um maravilhoso caril de gambas. Preparei um banho de espuma e espalhei velas pela casa de banho. Arranjei uma bela mesa, acendi um cigarro e esperei. Chegaste três horas atrasado, mas não me importei. Pediste-me desculpa, jantámos e terminámos os nossos copos de vinho na varanda ao sabor de um cigarro e beijaste-me vorazmente. Na casa de banho tomamos o nosso banho e fizémos amor como se fosse a última vez! Ironia, pois foi mesmo a última vez, pois nessa noite morreste de vez! Hoje em dia só sinto a tua falta ao acordar de noite, ao ver que estou sózinho na cama, por pura solidão. De resto, por ti só consigo sentir raiva! Raiva quando me vêm cobrar dívidas tuas, raiva quando vejo que não posso pôr carne no congelador, raiva quando ainda hoje encontro pingas do teu sangue por limpar na casa de banho, raiva quando me lembro que me infectaste com HIV. Mas minto, além de raiva também me dás vontade de rir... rio ao ver que ninguém sentea tua falta ou se preocupa com a tua ausência, dás-me vontade de rir quando me lembro de ti a guinchar como uma menina!!!

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