quinta-feira, 5 de junho de 2008

Gilberto

Aqui há tempos conheci o Gilberto. Encontrei-o na rua, sentado num banco de jardim com os seus andrajosos trajes e os seus sacos do lixo. Era claramente um sem abrigo e vi logo que essa pessoa não me interessava… não que seja preconceituoso, mas na verdade, que poderia eu ter em comum com um sem abrigo? Óbvio que nada… Estava há espera da Mariana e sabia que teria de esperar pelo menos mais uns vinte minutos, o mais pequeno dos seus atrasos! Estava cansado e não havia mais nenhum banco nas redondezas, então deixando para trás o meu medo dos maus cheiros daquele mendigo e o medo da possibilidade de que ele metesse conversa comigo, sentei-me na ponta oposta do banco. Relutante acendi um cigarro, sem ter tempo de sequer guardar o maço, Gilberto pediu-me um. Não costumo dar, mas como não estava para o aturar a refilar estiquei-lhe o maço e o isqueiro. Ele agradeceu, eu acenei sem olhar e guardei o maço e o isqueiro. “Já percebi, não conversas comigo…”, disse-me ele. Aí senti-me mal, sempre orgulhoso de não ser preconceituoso e ali estava a esnobar uma pessoa só porque era mendigo. Quis falar com ele, pedir-lhe desculpas, dizer-lhe que não era nada disso, que podia falar se quisesse, mas só me saiu “Inda bem que percebeu!”. Não creditei nas palavras que tinham saído da minha boca, eu não era assim! Gilberto acenou com a cabeça e continuo no seu canto a fumar o meu cigarro. Olhei-o, notava-se na sua expressão impávida, inexpressiva que já se havia habituado áquela resposta de pessoas estúpidas. Ele devia ter uns 45/50 anos, um ar limpo, dentro do possível e uma cara bonita. Fazia-me lembrar uma fotografia do meu bisavô que a minha avó sempre exibia com orgulho quando se falava do seu pai. Achei que estava a ser indelicado e virei o olhar, não o queria ofender. Passados uns incómodos 10 minutos Mariana chegou, cumprimentou-me, olhou Gilberto e disse “Ai pá que nojo de pedintes, estão em todo o lado”, ao que eu respondi “Ya, podes crer”. Ele continuou impávido e isso começou a irritar-me…acrescentei “Vamos embora antes que apanhemos alguma doença” e fomos. Ah, esqueci-me de comentar, isto foi há uns sete anos, hoje moro na terceira caixa multibanco da avenida da Liberdade do lado direito de quem desce, fumo quando me dão cigarros e como quando há comida. Partilho muitas vezes o banco de jardim com Gilberto e somos amigos. Ele não se lembra de mim, pelo menos nunca disse nada e eu também não… Nunca mais vi a Mariana.

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